Os poemas chegam-nos aos ouvidos
Quando anunciámos o programa para o Dia Mundial da Poesia deste ano dissemos que tínhamos escolhido “poemas que ficam no ouvido”, poemas que podemos oferecer como uma prenda. Foi uma maneira de dizer que escolhemos poemas que entram bem no nosso ânimo. Entram e deixam-se ficar a fazer efeito: espantam, alegram, comovem, despertam memórias e associações de ideias, fazem rir ou deixam um nó na garganta.
Neste lote está o desacerto de Camões e está a pastelaria de Cesariny. O violoncelo de Pessanha e a porta de Luiza Neto Jorge. Anjos, palavras como beijos, girassóis, erva da fortuna. Há lugares comuns em Londres, há cartas de amor ridículas como todas, há cantigas e toadas e despedidas.
Manuel António Pina diz: “Regresso devagar ao teu sorriso”. Herberto Helder continua: “Amo devagar os amigos que são tristes”. Aqui vai Pessoa, com Campos, Reis, Caeiro e Sá-Carneiro, a bater em latas. Sá de Miranda e Maria Teresa Horta, unidos na desavença. A Liberdade de Sophia, os semáforos da Rua de Santa Catarina de Jorge Sousa Braga, o mar a entrar pela janela do poema de Al Berto.
Neste lote de poemas, neste ramo, está ainda a pergunta que Hélia Correia traz de uma ode de Hölderlin, nascido há quas exactamente 250 anos (20 de Março de 1770): “para que servem /os poetas em tempo de indigência?”.
No sábado 21 de Março de 2020 estes poemas seriam lidos pela Maria Rueff com a música de Filipe Homem Fonseca no auditório da biblioteca do Cinema Europa. Seria o programa da Casa Fernando Pessoa para este dia da poesia: grandes poemas e gente boa reunida. Demos-lhe o título A magnólia como um livro entre as mãos, trazido do poema de Daniel Faria: “Sabes, leitor, que estamos ambos na mesma página”.
Fazia parte da programação da Feira do Livro de Poesia, que fazemos todos os anos com a Junta de Freguesia de Campo de Ourique, juntando os editores de poesia no Jardim da Parada e que fica agora adiada para outros dias em que possamos livremente manusear livros e ler poemas em grupo, e esses dias serão igualmente mundiais.
Agora queremos dizer que esses poemas que iam ser lidos, foram lidos. A gente boa reuniu-se. Não só a Maria Rueff e o Fillipe Fonseca, mas também a equipa da Casa Fernando Pessoa que chamou amigos e família, para gravar poemas ao microfone, muitos deles pela primeira vez. Como uma prenda.
Os poemas vão ser dados a ouvir ao longo do dia 21 de Março, e continuam enquanto o refrão se mantiver a ecoar. Cada um, na sua casa, deu a voz ao manifesto, o melhor que soube. Aqui temos as ruas, a magnólia, o mar, os amigos – e a liberdade toda que nos couber na cabeça.
Clara Riso · Directora da Casa Fernando Pessoa
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