Nuno Amado

Notas para a leitura de um apontamento de Álvaro de Campos

Sinopse: Em “Apontamento”, um poema publicado na revista presença em 1929, Álvaro de Campos dá conta de um acontecimento aparentemente traumático: a sua alma, outrora una, ter-se-ia a determinada altura despedaçado. O vaso inteiro, embora vazio, a que a alma primitiva de Campos é comparada, teria assim dado lugar, ao cair das mãos duma criada incauta, ao conjunto incalculável de cacos por que então passou a definir-se. Assim se explica, por um descuido alheio, a origem do ímpeto sensacionista que o caracteriza enquanto poeta. Nesta comunicação, pretendo sugerir que a história do estilhaçamento da alma que Campos aqui relata coincide em larga medida com a transformação proporcionada pela convivência com Caeiro, tal como documentada nas “Notas para a recordação do meu mestre Caeiro”, e que o poema, portanto, se constitui como alegoria de um parto poeticamente assistido.

Nota biográfica: Nuno Amado é professor na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Completou o seu doutoramento no Programa em Teoria da Literatura da mesma faculdade, com uma tese sobre a obra de Fernando Pessoa. É investigador do Centro de Estudos de Comunicação e Cultura da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa e colabora regularmente com a equipa do projecto “Estranhar Pessoa”. É autor de Os Anos da Vida de Ricardo Reis (1887-1936) e editou em 2022 o livro Toda uma Literatura: Caeiro – Reis – Campos, uma antologia da obra dos três principais heterónimos de Fernando Pessoa.