Giorgio De Marchis
«Mandei, capitão, fuzilar os camponeses trémulos».
Pessoa ou o poeta da força
Sinopse: Em 1918, num dos primeiros estudos consagrados à neurose de guerra, Karl Abraham resumiu nestes termos a dupla pulsão de morte que o soldado na frente de combate não pode eludir: «É-lhe exigido não só que esteja pronto para morrer, mas também que esteja pronto para matar». Esta permanente contiguidade com a morte coloca a experiência traumática do campo de batalha sob o signo de uma descontinuidade radical com tudo o que a precede e a sucede, pelo que parece legítimo procurar na literatura de guerra vestígios da mudança vivida pelo combatente, de modo a tentar compreender o que a frente de combate revela de assustador ao soldado – subitamente forçado a habitar um mundo de inaudita violência.
Nalguns textos escritos por Fernando Pessoa durante o conflito e no pós-guerra, é possível reconhecer a perceção por parte do poeta do espírito de destruição que subjuga o combatente. Neste sentido, como se procurará demonstrar, as considerações pessoanas sobre a violência bélica apresentam interessantes afinidades com o que Simone Weil e Rachel Bespaloff, durante a Segunda Guerra Mundial, escreverão sobre o espírito da força nas suas respetivas interpretações da Ilíada.
Nota biográfica: Giorgio de Marchis é professor de Literatura Portuguesa e Brasileira na Universidade Roma Tre, onde coordena a Cátedra Camões, I.P. “José Saramago” e a Cátedra “Agostinho Neto” de estudos angolanos. Escreveu artigos, ensaios e monografias sobre autores, revistas e características do Modernismo português, reservando especial atenção à obra de Mário de Sá-Carneiro e José Régio, autores dos quais organizou a edição crítico-genética dos livros Dispersão e Fado. Para várias editoras italianas, traduziu escritores angolanos, brasileiros, moçambicanos e portugueses. Atualmente, estuda a memória literária da guerra nos escritores portugueses e brasileiros que participaram na Primeira e na Segunda Guerra Mundial.