Junho, "santo mês profano"
Há grandes peças pesadas, algumas belas, que não se prestam à portabilidade, que são domésticas e caladas, e que podem voltar a estar à mão se passamos mais tempo em casa. Milhares de páginas finas: um dicionário em papel.
Quando usamos muitas vezes a mesma palavra, esta pode chegar a ser som sem corpo e fugir do nosso campo de atenção. As palavras de trabalho, diárias nas discussões de equipa, podem tornar-se fechadas e opacas se alguém não acompanha a conversa desde o início.
Para nós, na Casa Fernando Pessoa, uma dessas palavras é marginália. Marginália - palavra de origem latina, um substantivo plural que significa: “anotações que se fazem nas margens dos livros”. Pessoa deixou notas em muitos livros da sua biblioteca particular. Deixou traços, sublinhados, comentários em várias línguas, sinais de espanto, glória ou indignação.
No dicionário encontrámos o verbo “marginar”, com a surpresa com que se carimba uma palavra lida ou ouvida pela primeira vez. Agora, Marginar é o nome do programa em que pedimos às pessoas que também riscam livros para nos enviarem fotografias das suas páginas marcadas.
Como as fotografias de gente ou a gravação de uma voz, as marcas de leitura deixadas num livro trazem à vida a pessoa que as fez, o tempo em que as fez, o gesto de uma mão que escreve em resposta ao que leu.
O mês de Junho é mês de festa. E este ano, a celebração há-de valer ainda mais – como e quando a pudermos fazer, e com quem. Olhemos à volta, para ver em que mão podemos pegar para o baile.
A 13 de Junho de 1888 nasceu Fernando Pessoa no Largo de São Carlos em Lisboa – dia de Santo António, “santo dia profano” como disse num poema. As suas histórias de vida e escrita, queremos contá-las ao longo do mês, em perguntas e respostas breves, pequenas peças, estas, que ajudam a montar o grande livro que é Pessoa, ou pessoas.
Junho pode ser o mês dos reencontros e do regresso a lugares novos.
Clara Riso · Directora da Casa Fernando Pessoa