Nuno Amado
Sexualidade Branca
Sinopse: A forma perentória como Pessoa explicara a Gaspar Simões, numa carta famosa, que não tinha qualquer interesse na sexualidade é para Eduardo Lourenço, pelo contrário, reveladora da preponderância que o assunto teria na vida do poeta. Assustado face à possibilidade de ser visto como realmente era e, até mais do que isso, face à possibilidade de ele próprio se ver como realmente era, Pessoa teria então usado a sua poesia como disfarce. À expressão desse disfarce, Eduardo Lourenço chama, a páginas tantas de Fernando Pessoa Revisitado (1973), “sexualidade branca”. O argumento é, portanto, o de que a obra pessoana, em concreto a heteronímica, serve o propósito profilático de desviar as atenções de um segredo de cariz sexual, estabelecendo em seu lugar, ostensivamente à vista de todos, a indiferença do autor a respeito de matérias dessa índole. Segundo Lourenço, esse esforço de neutralização da pulsão erótica “aparece sob três formas distintas e entre si ligadas, aquelas justamente que os três heterónimos principais encarnam”. Nesta comunicação, pretendo discutir esta hipótese, apontando para alguns passos da obra pessoana nos quais esse esforço parece esmorecer e a neutralização tende a falhar.
Nota biográfica: É professor na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Doutorou-se em 2016 no Programa em Teoria da Literatura da mesma instituição com uma tese sobre a obra de Fernando Pessoa. É investigador do Centro de Estudos de Comunicação e Cultura da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa e colabora regularmente com a equipa do projeto “Estranhar Pessoa”. É autor de Os Anos da Vida de Ricardo Reis (1887-1936). Editou recentemente, em 2022, o livro Toda uma Literatura: Caeiro – Reis – Campos, uma antologia da obra dos três principais heterónimos de Fernando Pessoa.