Maria do Rosário Pedreira - Portugal
Nasceu em Lisboa, em 1959. Licenciou-se em Línguas e Literaturas Modernas. Depois de uma breve passagem pelo ensino, ingressou na carreira editorial, sendo hoje editora de literatura portuguesa. Escreveu vários livros juvenis, um romance e contos, mas é sobretudo conhecida como poeta, tendo publicado cinco livros, os quatro primeiros coligidos num volume com o título Poesia Reunida (2012), distinguido com o Prémio da Fundação Inês de Castro. Está traduzida em várias línguas e publicada em volumes independentes, revistas e antologias em diversos países. Tem participado em numerosos encontros de escritores em Portugal e no estrangeiro. É ainda autora de letras para fado e canções. Tem um blogue sobre livros, Horas Extraordinárias, e escreve regularmente crónicas para a imprensa.
seios
Mãe, oxalá eu nunca tivesse largado a tua mão:
com o menino ao colo, fez-se a estrada maior do
que o meu desespero, amarrotou-se de velho meu
coração tão claro. Eu tinha catorze anos antes
do estrondo, catorze anos e meio antes do teu
grito, quinze anos cumpridos quando afastei o
véu dos teus cabelos: se me dizias sempre que não
fosse para longe, porque pediam o contrário os
teus olhos parados? Ainda por cima, mãe, chegar
ao campo foi como bater a uma porta cansada –
mil tendas que eram velas remendadas, barcos para
ficar de novo pelo caminho. Trouxeram-nos mantas
cheias de perguntas; tentaram-me com doces
para me pôr no lugar; mudaram ao meu irmão
a fralda com as mãos frias. Mãe, eu disse-lhes que
o menino era meu; e agora, quando ele procura os
teus seios no meu corpo sem formas, cubro com
o teu véu os meus cabelos e canto-lhe baixinho
canções de açúcar. Não sei que idade tenho, mãe,
mas oxalá eu nunca tivesse largado a tua mão.
Poema de o meu corpo humano, Quetzal, 2022
Fotografia: © Luís Barra