João Dionísio
Doença bibliográfica contra o desperdício
Resumo
Nas Confissões, Santo Agostinho relata a surpresa causada por ter visto Anselmo a ler em silêncio. Admirado com esta modalidade de leitura, tão estranha à época, Agostinho procura explicá-la de várias maneiras, sendo uma delas a de que assim Anselmo poderia ler mais livros. Porque os tempos entretanto mudaram consideravelmente, a pergunta subjacente ao ensaio Doença bibliográfica (Lisboa, Imprensa Nacional, 2021) é o exacto oposto do episódio recordado nas Confissões: sendo finito o tempo de que dispomos para ler, o que pode motivar a leitura propositada de dois textos parecidos, duas ou mais versões quase iguais, vários documentos escritos com afinidades mais ou menos evidentes? Porquê esta insistência? A presente comunicação, que visa apresentar aquele ensaio, é também uma tentativa de explicação contra-intuitiva deste aparente desperdício de tempo. O espólio de Fernando Pessoa serve de caso e de exemplo a esta tentativa de explicação, que com alguma dose de boa vontade excede os limites do campo pessoano, podendo aplicar-se aos papéis e edição de outros autores.
Nota biográfica
João Dionísio é professor de Literatura Portuguesa e de Crítica Textual na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. As suas publicações mais recentes são: Agora entra no vento: tradução e génese na obra de M. S. Lourenço (Biblioteca Nacional de Portugal, 2020), a edição de Fernando Pessoa, Vinte anos de poesia ortónima. I – 1915-1920 (Imprensa Nacional, 2020) e Doença bibliográfica, um livro de ensaios sobre espólio e edição da obra pessoana e de outros escritores (Imprensa Nacional, 2021).