O meu olhar é nítido como um girassol

II

O meu olhar é nítido como um girassol. 
Tenho o costume de andar pelas estradas 
Olhando para a direita e para a esquerda, 
E de vez em quando olhando para trás... 
E o que vejo a cada momento 
É aquilo que nunca antes eu tinha visto, 
E eu sei dar por isso muito bem... 
Sei ter o pasmo comigo 
Que tem uma criança se, ao nascer, 
Reparasse que nascera deveras... 
Sinto-me nascido a cada momento 
Para a eterna novidade do mundo... 

Creio no mundo como num malmequer, 
Porque o vejo.  Mas não penso nele 
Porque pensar é não compreender... 
O Mundo não se fez para pensarmos nele 
(Pensar é estar doente dos olhos)                    
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo. 
    
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos... 
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é, 
Mas porque a amo, e amo-a por isso, 
Porque quem ama nunca sabe o que ama 
Nem sabe porque ama, nem o que é amar... 
    
Amar é a eterna inocência, 
E a única inocência é não pensar...

 

 

CAEIRO, Alberto, Poesia (O Guardador de Rebanhos), ed. Fernando Cabral Martins, Richard Zenith. Lisboa: Assírio & Alvim, 2001, pp. 24-25