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Folha de sala

A mais terna ilusão (revisited), de UMCOLETIVO, é uma proposta de entrada em O Marinheiro, drama estático que Fernando Pessoa escreveu em 1913. Publicado no primeiro número da revista Orpheu em 1915, é o único texto para teatro que Pessoa deixou acabado. Foi com um espetáculo a partir de O Marinheiro de Pessoa que UMCOLETIVO se estreou há 10 anos, quando a peça fazia 100. Agora, passada uma década, UMCOLETIVO revisita o seu espetáculo e volta a O Marinheiro com a criação de uma instalação em que o visitante-espectador se relaciona fisicamente com a palavra.

UMCOLETIVO

“uma instalação na mente de quem a lê: tipo self service, quase teatro sem sair da poltrona da sala e sem o intermédio de quem quer que seja (e enquanto Pessoa falava na Brasileira sobre este texto, o Mário escrevia: "eu não sou eu nem sou o outro, sou qualquer coisa de intermédio", e o jovem menino de olhos na cabeça, o José, desenhava o imenso vestido onde todas as veladoras e sonhos "e tudo" coubesse, como num saco- cama)”

Luísa Monteiro (investigadora, escritora e dramaturga e dedica-se ao estudo da obra de Pessoa.)

A mais terna ilusão (revisited) poderia ter começado nestas palavras porque nelas moram dois dos pilares deste projeto. A ideia de instalação, que abriu caminho para amplificar a potência do teatro estático (teatro no qual os atores estão imóveis e a expressão é colocada na entoação das palavras). E a ideia de ser qualquer coisa de intermédio, esse lugar para o qual convocamos, agora, o espectador.

A mais terna ilusão (revisited) é o gesto impossível de convocar o passado a ser futuro. Como um movimento que quer curvar a linearidade do tempo.

Mas, recuemos: em 2013, Cátia Terrinca e Ricardo Boléo partiram da leitura de O Marinheiro, de Fernando Pessoa, para a criação de um espetáculo: a mais terna ilusão. Segundo Eugénia Vasques, este monólogo era “subtil, inteligente e belo, com Cátia Terrinca a contracenar com o Silêncio e a Luz!”.

 Ao mesmo tempo que estreava a mais terna ilusão fazia-se o registo formal do UMCOLETIVO, o projeto fundado por Boléo e Terrinca. O espetáculo acabava assim por se aproximar de um manifesto inaugural e abriu espaço para a exploração de uma gramática de cena que, ainda hoje, define o percurso performativo da estrutura.

Hoje, celebrando o décimo aniversário do UMCOLETIVO e repensando o mesmo texto, onde tantas questões germinaram, entendemo-lo como um útero repleto de dúvidas e angústias; a atmosfera aqui convoca também o espectro da atriz, colocando o espectador no lado de dentro, à procura do corpo que ouve mas não vê, nem cheira, nem sente. Procuramos, como escreveu há dez anos Rui Monteiro, “a solidão dos sonhadores”, só que desta vez abandonamos o espectador a sós com a imaginação – a sua e a nossa –, de mão dada com a voz e dentro de um lugar uterino de alcatruzes.

Cada palavra é uma armadilha: verdade no sono ou no sonho?

Sobre O Marinheiro

Definido pelo autor, Fernando Pessoa, como “drama estático em um quadro”, O Marinheiro desenha, num ambiente de mistério, a madrugada de três veladoras que, perante a morte, vão desfiando conversas em que das angústias várias surge um conflito fundamental entre sonho e vida, que atormenta as mentes e os pensamentos de três donzelas. Uma delas descobre, no horizonte, a história de um marinheiro – que, então, alimenta horas de questionamento e dúvida: será verdade o sonho ou os dias?

Sobre A mais terna ilusão

a mais terna ilusão é o texto dramático que Ricardo Boléo escreveu a partir de um laboratório dramatúrgico que partilhou com Cátia Terrinca, em que ambos escreveram a partir de O Marinheiro, de Fernando Pessoa. O texto expõe um corpo que não sabe se a identidade que tem é uma ilusão ou é ela própria e, então, reproduz partes de si, como gritos ou anseios ou palavras ocas, desfiando como ação todo e cada gesto – são gestos de procura; de um corpo que quer tocar-se, para saber que é matéria e não sopro, que é de verdade e não dos sonhos. A génese desta proposta é, sem dúvida, a palavra, a palavra sensorial – sempre e quando ela tenha a capacidade de tocar. A palavra é palpável, concreta, íntima. De tal forma carnal, que ela própria seja corpo e torne os sonhos tão inflamáveis como a carne.

 

UMCOLETIVO é uma associação cultural, fundada em 2013 e com sede em Portalegre, que desenvolve atividades no âmbito da criação e programação artísticas, tendo como eixos essenciais o teatro, a performance e a palavra - onde transversalmente se encontra uma ideia de reescrita, de tempo real e de voz.